A corrupção no Brasil: um olhar profético e teológico a partir de uma adaptação de Tiago cap. 5 e da releitura do profetismo do AT

*Nelson Gervoni

O atual cenário político e econômico do país requer um olhar teológico que, bem apurado, interprete profeticamente a conjuntura e ofereça à Igreja e à sociedade em geral uma compreensão da ação de Deus nesse importante momento da história nacional. Afinal, é de se crer que Deus não esteja alheio a esse contexto. Outra contribuição desse olhar teológico é convencer importantes segmentos da Igreja que é seu papel ser "sal da terra" e "luz do mundo" (Mateus 5.13, 14) através de intervenções que, no mínimo, sejam portadoras do anúncio do Juízo Divino contra os causadores de todo esse mal. Isso porque tais segmentos, numa postura de conveniente acomodação, acredita - ou finge acreditar - que ser sal e luz se limite à pregação do púlpito e ao "evangelismo pessoal" e, quando muito, à ações assistencialistas que só fazem legitimar e perpetuar aquilo que se acredita combater.

Um olhar teológico assim, ajudaria na compreensão de que para Deus os pecados sociais, como a injustiça social - inclusive aquela causada pela corrupção - e o latifúndio, por exemplo, são tão danosos quanto (ou mais que) a idolatria, adultério, alcoolismo e outros pecados pessoais. Para citar uns poucos textos bíblicos, Isaías 5.8 condena o latifúndio dizendo "Ai dos que ajuntam casas e mais casas, dos que acrescentam um campo a outro, até que não haja mais onde alguém possa erguer sua casa, e eles se tornem os senhores absolutos da terra!" (BKJ A - Bíblia King James Atualizada). Ezequiel 16.49 investe contra a injustiça social afirmando que "...esta foi a malignidade de tua irmã Sodoma: ela e suas filhas [cidades a ela ligadas] eram arrogantes; tiveram fartura de alimento e viviam sem a menor preocupação; não ajudavam os pobres e necessitados." (BKJ A, com entre chaves e grifo nossos).

Mas há outro texto que chama a atenção por ser perfeitamente aplicável (talvez com uma sincera e ligeira adaptação ao contexto brasileiro, como veremos) ao lamaçal de corrupção no qual se vê mergulhada a nossa pátria e à forma como a Igreja parece ignorar a realidade. Trata-se de Tiago 5, que segundo SONGER (1985, p. 121)   aborda "[...] uma situação em que as pessoas estavam professando a fé em Cristo e participando da comunidade cristã sem perceber as vastas implicações morais e éticas de tal envolvimento (2.14-26)", exatamente como fazem determinados segmentos cristãos, especialmente entre os evangélicos. 

Se lermos Tiago 5 com a proposta adaptação teremos no texto as expressões como veremos a seguir, a partir da BKJ A. (As adaptações colocamos em negrito).

E agora, prestai atenção, vós, os políticos e empresários corruptos! Chorai, não com lágrimas ensaiadas de crocodilo, e arrependei-vos, ao invés de negarem ardilosa e estrategicamente vossas falcatruas diante das câmaras de TV, porquanto desgraças haverão de cair sobre vós, roubando vossos mandatos e cargos, assim como a liberdade e a paz vossa e de vossos familiares. 2. Vossas riquezas oriundas dos roubos e propinas apodreceram, e vossas roupas finas, compradas no exterior com dinheiro desviado, desvaneceram, roídas pela traça, representada pelos bloqueios decretados por magistrados em vossas vultuosas contas bancárias. 3. Vosso ouro e vossa prata aplicados em trust no exterior, todos estão oxidados. E a ferrugem deles testemunhará nas delações premiadas contra vós e, assim como o fogo, vos devorará a carne. Tendes acumulado bens demais nestes últimos tempos de mandatos manchados por vossas roubalheiras. 4. Eis que o salário dos dois milhões de trabalhadores desempregados que ceifaram os vossos campos e que vós, desonestamente, deixastes de pagar, desviando-o de forma a deixá-los desprovidos de saúde, educação e de tudo o que é essencial à vida, está clamando por justiça, não mais pela justiça falha e comprometida dos homens, mas pela Justiça Divina, e tais clamores chegaram aos ouvidos do Senhor dos Exércitos. 5. Tendes vivido regaladamente sobre a terra com o dinheiro sujo da corrupção, satisfazendo todos os vossos desejos e de vossas esposas e filhos omissos e coniventes, e tendes comido até vos fartardes em jantares caríssimos no exterior, bancados pelo dinheiro público, como em dias de festa. 6. Condenais e matais o justo que empobrecido morre à míngua, sem que ele tenha vos oferecido qualquer resistência, mesmo nas urnas eletrônicas que por vós foram manipuladas. 

Esse texto, mesmo sem essa adaptação, é emblemático do que Deus começou a fazer no Brasil, revelando com Sua Luz as entranhas apodrecidas dos Poderes Executivo e Legislativo - por enquanto esses dois - e dos sistemas financeiros reféns da ganância de um capitalismo corrompido pela imoralidade econômica. Semelhante a um amontoado de tábuas num quintal, que depois de anos é removido desalojando escorpiões e outras peçonhas que se tornam agressivos tentando se esconder da luz, assim é a ação revelatória de Deus sobre os porões escuros desse país. 

Assim, um olhar teológico mostraria que, como Igreja de Cristo, o que nos resta fazer é denunciar biblicamente não somente os pecados individuais ou pessoais, mas a iniquidade social que vitima milhões de pessoas. Afinal, se nos calarmos, as pedras clamarão em nosso lugar (Lucas 19.40), representadas pelo Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal e outros órgãos. 

Esse olhar teológico mostraria que a Igreja Cristã executaria o seu querigma denunciatório principalmente - embora que não exclusivamente - através de seus pastores, que interveriam imparcialmente, sem interesses pessoais, políticos, ideológicos, econômicos e financeiros, influenciados pela Palavra de Deus e não pela mídia comprometida com o sistema.

A interpretação trazida por esse olhar apontaria para uma ação profética diferente daquela praticada por Balaão (Números 22-24), que teve que ser impedido por Deus para não se corromper pela propina de Balaque. Pois é triste constatar o quanto líderes evangélicos, presidentes de destacadas denominações pentecostais, renomados pregadores televisivos e proprietários de editoras do chamado "mundo gospel", com ou sem cargo legislativo, vêm copiando o modelo "balaãoneano". Como nas palavras do apóstolo Pedro (II, 2.15) "Eles se desviaram, abandonando o Caminho correto e seguindo o rastro de Balaão, filho de Beor, que se apaixonou pelo salário da injustiça..."

Esse tão necessário olhar teológico estabeleceria uma cortante distinção entre o corrompido modelo de Balaão e o modelo do profetismo clássico do Antigo Testamento, representado por Amós, Miquéias, Oséias e Isaías, para citar somente alguns. 

Segundo PIXLEY e BOFF (1987), Amós desmascara como o amor ao luxo havia feito da piedade uma farsa através da exploração do indigente e do pobre (Amós 8.5-6). Miquéias foi um ardoroso defensor dos pobres em nome de Javé. O profeta camponês identifica a raiz do mal na classe dominante de Jerusalém, representada pelos seus reis, juízes, sacerdotes e profetas. Dito de outra forma, os Poderes institucionais e a liderança religiosa de Judá estava corrompida, a exemplo do que ocorre no Brasil.

Os autores PIXLEY e BOFF avaliam que "Oséias, mais do que Amós e Miquéias, denuncia como a religião é usada como cobertura enganosa para acumular riquezas. O pretenso javismo das classes dominantes não é no fundo mais do que culto a Baal, o deus da chuva e da abundância material. A religião virou prostituição, culto que não é feito por amor, mas por afã de lucro [...]" (p. 63).

É só analisar o contexto político nacional, avaliar a postura da Igreja e ler esses profetas para constatar a incrível semelhança da nossa realidade com a de Jerusalém! O que nos leva a conclamar: Profetas da atualidade, saiam das suas "zonas eclesiástica de conforto", despojem-se de seus interesses pessoais políticos e financeiros, arrependam-se do pecado da omissão diante da corrupção ativa ou passiva e da injustiça social que dominam a nação, releiam a Bíblia numa perspectiva teológica que aponta para "um Deus que optou pelos pobres concretos de Canaã e Egito e posteriormente,  na pessoa de Jesus, pelos pobres da Palestina judaico-tomana" (orelha do texto de PIXLEY e BOFF). Feito isdo, anunciem o Juízo de Deus contra a corrupção com ousadia, a não ser que já se sujaram nessa lama e estejam debaixo da mesma condenação, como em Romanos 3.10-12.

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Referências:
PIXLEY, Jorge e BOFF, Clodovis. Opção pelos pobres - 2.a ed. Petrópolis : Vozes, 1987.
SONGER, Harold. Tiago. In Comentário Bíblico Broadman - vol. 12. Rio de Janeiro : Juerp, 1985.

(*) Nelson Gervoni é teólogo, pedagogo, psicanalista e jornalista (MTb 75011/SP). É membro do MEP - Movimento Evangélico Progressista.

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